«O Peixe de Herberto»©FMG

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cartaz

©Frederico Mira George


#23

Tornou-se um bizarro ritual nocturno. No princípio da madrugada, dezenas de borboletas atraídas pela luz do quarto, disparam em voos contra as paredes, sobre mim, a cama...
Com todos os instrumentos de morte que improviso, executo-as uma a uma. Todas têm uma morte lenta e agonizante que pressentem e contra a qual lutam desesperadamente.
Se as visse num jardim botânico ao meio do dia, enquanto contemplava flores ou pequenas árvores em rebento, achá-las-ia belas e transparentes de cores enternecidas de tons de ocre e negro. Aqui, neste quarto, à noite, resta-me o homicídio.
Esta noite compreendi que até os carrascos tem cansaço e precisam de repouso. Fechei as luzes e no quase-escuro, sentindo-as esvoaçar e bater contra os vidros e o tecto, fingi que as não ouvia. Protegi a cabeça com mantas e deixei-as. Passado uns minutos pareciam ter acalmado. Pensei que não voltaria a ter de matar diariamente.
Já esta manhã, despertei acidentalmente no abrir-do-sol e vi-as tentando encaixar os corpos em fissuras das paredes.
Sei que me esperam. Sei que as terei de confrontar. É um cenário dantesco, um quarto mínimo, invadido por dezenas de borboletas ansiosas para depositar os seus ovos entre as páginas dos livros, nas roupas, na comida que resta em pratos esquecidos... O homicídio voltará.
©

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